terça-feira, 21 de outubro de 2008

Que delícia de ovo-frito


O cinema amador mostra um pouco, como é importante para a sétima-arte e como é fácil montar uma produtora independente

Por Felipe Mathias

Tudo mundo sabe fazer um ovo-frito, basta derreter a manteiga na frigideira e deixar o ovo fritar até que a borda fique dourada e a gema cozida, tempere com sal e pronto para ser devorado. Prático, rápido e gostoso. Agora um omelete não se pode dizer o mesmo, além de demorar a ser feito precisa-se de bons temperos, um mestre cuca que saiba bater bem os ovos e ingredientes adequados para deixar o omelete inquestionável. Porém não são todos que saibam fazer um bom omelete, se for o caso é preferível comer um ovo frito.
Como o ovo-frito o cinema amador pode dizer o mesmo: é prático, rápido e gostoso. Com uma câmera na mão e uma idéia na cabeça podem-se fazer deliciosos e saborosos filmes. Seja com a qualidade desfavorável, a luz nem sempre perfeita, a câmera, normalmente, amadora e ação improvisada, o importante é que todos possam saborear esta pequena película caseira.
O cinema amador é feito em baixo orçamento, com boas idéias e intenções, mas cujos resultados costumam ser tão ridículos que acaba se tornando trash. "Os filmes acabam se tornando trash porque infelizmente não temos dinheiro para comprar ou alugar equipamentos e contratar atores e outros profissionais qualificados" diz Bruno Garcia, 27, responsável pela produtora independente BRV E no Rio de Janeiro. O termo trash não só persegue os filmes amadores como também os filmes profissionais, como confirma Pedro Daldegan, 37, diretor da ex-produtora independente Kobold Pictures em Capinas, interior de São Paulo. "Muitas vezes o termo trash é usado como sinônimo de cinema amador. Eu particurlamente creio que seja uma grande confusão de termos. Cinema amador é o oposto do cinema profissional. Trash é um quase gênero, surgido como cinema de baixo orçamento, e pode ocorrer tanto no cinema profissional como no cinema amador".
Independente de ser gênero ou não, trash se traduzido ao pé da letra é lixo. O cinema amador é trash, e trash é lixo, logo cinema amador é lixo. Mas será que as produções amadorísticas são tão ruins para ser considerado como lixo? Trash foi imposto para os filmes de más qualidades, mas não seja por isto que os classificam como lixos e sim com idéias novas e intenções até inovadoras podendo ser catalogadas, agora assim, como Trash.

Ovo-frito X Omelete

As primeiras ondas de filmes amadores podem ser descrito pelo surgimento das câmeras super-8, possibilitando o público geral a produzir seus próprios filmes. Com os avanços tecnológicos, desenvolvimento dos computadores pessoais e a disponibilidade de recursos de captura de edição, aumentaram as possibilidades de produções amadoras. "O conjunto de equipamentos mudou bastante. A filmadora tornou-se digital, e a edição migrou e se concentrou no micro" diz Pedro Daldegan que começou a filmar com as câmeras super-8 e as camcorde VHS. "A quantidade e qualidade de recursos hoje disponíveis para os amadores é maior do que a disponível para maioria dos profissionais de uma ou duas décadas atrás, o que tem atraído novos entusiastas vindos de outras frentes" completa.
Hoje as câmeras digitais em miniDV são o formato preferencial para a gravação de filmes amadores, possuem preços acessíveis, fazendo com que muitos jovens, sem dinheiro e loucos por cinema optam para este equipamentos em seus trabalhos. Desta forma o custo da produção seja bem mais barato em comparação com os filmes de grandes produções, sendo que seu orçamento não passa em média de 300 reais. "Tirando o custo da câmera, gasto essencialmente com as fitas, alguma fantasia, maquiagem, um Nescau mais groselha, para fazer o sangue. Raramente passa de 100 reais" argumenta Carlos Kleber, 32, fundador da produtora The Dark One no Rio de Janeiro. "Acho que gasto em uma média de 200 a 300 reais com um filme. Isto contabiliza gastos com equipamentos, fitas, Dvd's e entre outras coisas" relata Bruno Garcia sobre o custo médio de suas produções.
Mesmo com um preço baixo há uma vantagem para o cinema amador. Os filmes de grandes produções têm um bom orçamento para produzir seus filmes, contudo, precisam dar lucro e para isto optam por fórmulas já batidas. Enquanto o cinema amador pode aproveitar de sua criatividade, como relata Bruno Garcia "Os filmes independentes levam vantagens, pois são produções baratas e que não possuem obrigação de gerar tanto dinheiro. Por isto, eles têm mais liberdades para criar e apostar em fórmulas diferentes".
Raramente irá encontrar um filme amador em uma sala de cinema, porém podem ser vistos na internet. É por este caminho que as produtoras começam a tomar conhecimento de outros grupos que também faziam cinema amador, o que fez com que surgisse um intenso intercâmbio de trabalhos, inclusive com a organização de mostras e festivais dedicados a amadores que com a internet ganhavam um canal de divulgação. "Existem trechos disponíveis no meu site e também no Youtube, mas a idéia é que até o final do ano tenhamos um canal virtual onde todos os filmes poderão ser exibidos para quem quiser assistir" comenta Bruno Garcia. A própria internet tornou-se um canal de distribuição, mas foi com o advento do Youtube que essa tendência se consolidou de fato. "Eu arriscaria dizer que o principal veículo de divulgação de trabalhos de cinema amador hoje é o Youtube" opina Pedro Daldegan e completa "É impressionante pensar que os curtas-metragens amadores que fiz ha 20 anos podem ser vistos hoje por qualquer pessoa em qualquer parte do mundo".
A maioria não ganha nenhum lucro ao realizar seus filmes, mas para comercializar de alguma forma seus trabalhos aproveitam a internet e outros meios. "Alguns cineastas disponibilizam seus filmes nas locadoras de suas cidades. Há casos de produtores amadores vendendo seus filmes nas bancas e camelôs, e até mesmo exibição em canais de TV comunitária ou em programas ou quadros dedicados a cinema Trash" diz Daldegan ao falar que a comercialização é mais uma forma de divulgação do que de ganhar dinheiro em cima. "Tenho uma loja virtual no site onde os filmes são vendidos e já coloquei em algumas locadoras, mas nada muito organizado" diz Bruno Garcia aproveitando a internet para conseguir um lucro em seus trabalhos. O Carlos Kleber faz o mesmo vende seus filmes via internet e faz propagandas para atrair mais a clientela "Vendo os DVD's praticamente a preço de custo pelo meu site, por dez reais cada um incluindo frete e caixa com capa original. E se chorar ganha desconto".
A produtora é mais um invento para os projetos realizados, não ganham dinheiro com isto, muitos fazem pelo amor que tem com a sétima arte. "Sou jornalista e vivo de jornalismo. Por enquanto, a produtora me dá algumas alegrias, mas nenhum dinheiro" relata Bruno Garcia que pretende futuramente torná-la uma produtora de verdade e comercializar seus projetos.

Omelete caseiro

Muitos que fazem cinema amador, praticamente, ocupam todas as funções de um trabalho cinematográfico. "Eu escrevo o roteiro, decido as locações e faço uma previsão de tempo de filmagem" diz Garcia como é o processo de realização de seus trabalhos. "Eu produzo, dirijo e edito os filmes. Meus amigos e familiares são os atores" argumenta Calos Kleber.
O processo de produção é simples, parecidos com o cinema profissional, porem improvisando. "Depois que escrevo o roteiro, chamo as pessoas para fazer os personagens e marcamos os dias de filmagens. Depois das gravações, vem a edição. Com o filme pronto, faço trailers, capa do DVD e inicio a divulgação pela internet" diz Bruno Garcia em que gasta em média entre três dias a dois messes num filme.
A maioria das produções amadoras são fan films, em geral paródias, de filmes comerciais, como Star Wars e Matrix. Existem também vários roteiros originais, no qual o gênero horror prevalece. Como o filme 'A Carne', filme produzido pela
Produtora “Corte Seco”, onde Rubens Melo é um dos fundadores, juntamente com a EtaVision. "Em A Carne um chefe de cozinha, esta pesquisando a carne mais macia. Ele procura e descobre que o alimento que necessita esta mais perto de ser descoberto do que imagina". conta ele.
Para Rubens Mello, fan de filmes de terror, nunca imaginou produzir algo diferente do gênero, inclusive foi eleito sucessor do Zé do Caixão em 1999, patrocinado pela revista trip e o jornal NP. Rubens acredita que o terror é mais do que arte "Existe poesia nas sombras. Quer mais arte do que o expressionismo alemão?".
“Filmes como ‘A Fantastica Fábrica de Horrores”, da produtora The Darke One, 'Lâmia' da produtora Eta Vision, todos inspirados no gênero horror. Além destes filmes, uns acabam se aventurando fazendo seriados como a produtora BRV E com o 'O vôo do perdigão saga celestina’ ou programas para TV como 'Realidade e Fantasia: Dez mil formas de se matar na cozinha' da produtora Eta Vision. Roteiros originais que acabam virando pérolas trash. Mas seja nos filmes de terror ou outros gêneros cinematográficos, eles buscam outras inspirações, como comenta Bruno Garcia "Tudo que vejo, ouso e leio me inspira: Livros, quadrinhos, revistas outros filmes, teatro, a própria experiência cotidiana me inspira".
Por ser uma produção barata, caseira e sem qualidades muitos não aprovam seus trabalhos. "O que acontece, infelizmente, é que na maioria das vezes, as pessoas já julgam o filme assim que ele começa, só porque a imagem é ruim". Reclama Bruno Garcia que acredita que as pessoas não dão uma chance para estas produções. Para Rubens Mello é um trabalho que tem que ser levado a sério "Tem que tratar nossos projetos com seriedade".
Não se sabe ao certo se no final das contas o cinema amador será valorizado, tal qual, como o cinema profissional, mas o importante é que pessoas fazem isto com muito prazer e dedicação. "O cinema amador para mim é uma paixão" declara Pedro Daldegan. Além de trazer novos profissionais na área do audiovisual "Os filmes amadores são um verdadeiro laboratório onde futuros profissionais do cinema e da comunicação estão experimentando novos formatos que podem ser sucesso daqui a alguns anos" declara Bruno Garcia. Seja um filme simples, barato e com idéias boas, é neles que encontraremos um saboroso filme como um ovo-frito.


A crítica come ovo-frito
Para a crítica um filme bom é necessário ter um roteiro caprichado, bons atores e uma equipe preparada. Já o cinema amador não possui todos estes quietos, tirando o roteiro. A critica acredita que os filmes amadores é tão importante quanto o cinema de produções maiores. "O cinema amador pode ser bem feito e ter um excelente roteiro" argumenta Atila francis, 39, critico de cinema. Para ele um bom filme é aquele em que se pode passar uma mensagem para a sociedade, "Eu gosto de filmes que quebram as barreiras da sociedade e que mude para melhor" discuti Atila. E o cinema amador, mesmo, sendo uma paródia ou satírica, ela pode sim contribuir com a população. "Através do cômico e da sátira, da para levar e transmitir algo para a sociedade. Mesmo nas coisas ruins você tira coisas boas delas" argumenta Atila.
Zé do caixão é um grande personagem do terror trash brasileiro, em que a crítica acaba valorizando seus filmes como 'Esta noite encarnarei em seu cadáver' e 'A noite levarei tua alma'. Outros cineastas acabaram fazendo sucesso com o cinema trash como o Tircerinha que produziu filmes como 'Motorista sem Limites' e 'Coração de Luto' mas conhecido como 'Churrasquinho de mãe' e também o diretor Ivan Cardoso com o seu novo projeto 'Um Lobisomem na Amazônia'.
Diretores consagrados do mundo trash que acabou ganhou reconhecimento pela crítica. "A primeira vez que vi o Zé do Caixão eu não gostei e achei pavoroso e depois voltei a vê-lo, mesmo com a história esdrúxula eu descobri uma coisa boa nele". Argumenta Atila Francis.

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